Quem dança não mente?
Por Deborah Goldemberg
A linguagem nos dá presentes a toda hora, que muitas vezes nos passam batidos. A própria
palavra presente é uma revelação. Afinal, qual presente maior do que viver o momento com
plenitude, sem se preocupar com o passado ou o futuro, com os erros cometidos ou os boletos
que estão por vir? Só curtir momento de pisar no forró e tomar um gole de catuaba enquanto
o sanfoneiro dá os primeiros acordes. O grande presente é o próprio presente.
Isso explica o título dessa crônica, que pode parecer exagero. Será que os forrozeiros não
mentem mesmo? Parece extremo, mas é o que as palavras revelam. Veja: o corpo não é a
mente, portanto, o corpo não mente. Estamos falando da mente, esse lugarzinho complicado
do ser humano, onde tudo parece um labirinto. Ainda mais depois dessa pandemia e das redes
sociais, que nebularam ainda mais o que é real e o que não é. A mente mente! – é essa a
revelação. O corpo não. É a antítese da mente, jamais faria isso.
E o que é forrozeiro, senão um corpo livre? Observe como os corpos que chegam ao forró
ainda se despem de tudo o que podem. No geral, já preferem as roupas leves, saias curtas,
bermudas, tops e regatas, mas ainda fazem questão de deixar eventuais casacos, bolsas e até
celulares nas chapelarias para não terem nada dependurado a eles. Deixam tudo que podem
para mergulharem no dancing com o mínimo atrelado a eles. Maquiagens e penteados não
duram, nem adianta tentar. Até sapatos são dispensáveis.
Os corpos forrozeiros só precisam uns dos outros. No dancing, estão corpo a corpo. Cada qual
com o seu tamanho e forma específica, uns altos e outros baixos, uns fortes e outros magros,
com seus perfumes e odores característicos, ora doces e amadeirados, suas texturas – mãos
calosas ou suaves, suas secreções (notavelmente, os suores), seus sons (suspiros, espirros!),
seus estilos de vestir – podendo variar do hiponga ao heavy metal, variando em graus de
firmeza e molenguiçe, agilidade e lentidão. Cada corpo é uma verdade inexorável, diante do
seu, colado no seu, espelhando o seu.
Os corpos não mentem. Aqui está o presente da linguagem. Alguns corpos se encaixam ao seu.
Outros não. Alguns geram incômodos. Outros, os prazeres mais sublimes. Alguns nos dão tédio
e outros nos fazem levitar. No contato com alguns, fechamos os olhos para sentir mais. Com
outros, arregalamos os olhos como se picados por um escorpião! Com alguns, torcemos para a
música acabar logo. Com outros, para ela não acabar nunca mais. O dancing do forró é o
campo das verdades inexoráveis e ninguém mente quando somos apenas corpos.
Não se empolgue! Concluída a dança, aquele mesmo corpo que se encaixou maravilhosamente
pode te convidar para uma chiboquinha e, ao atravessar a fronteira do dancing, saiba que já
não está mais no reino do corpo! A partir dali, a mente volta atuar e podem rolar mentiras,
confusões, sedução, tudo o que acontece todos os dias e todas as horas em qualquer lugar.
Caso isso ocorra, não fique triste. Uma coisa é certa – o dancing do forró estará sempre lá –
refúgio dos corpos e da verdade, nesses tempos confusos.
Que linda crônica, eu como uma legítima forrozeira vivo intensamente muitas de suas frases. Amei.
Verdade, Deborah! O corpo não mente, ainda mais no forró! Interessantes interpretações e fortes sensações em sua escrita praticamente rítmica e cheia de sentidos! Sen-sa-cio-nal! 🎶👏👏👏
Fabio, a nossa cronista Deborah Goldemberg, além de forrozeira é uma escritora que consegue captar todas as nuances do ambiente da dança de Forró.