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Quem dança bem? Ou com quem?

O transe forrozeiro se dá quando você se conecta com quem está dançando com você

Deborah Goldemberg

Melhor do que dançar aquela dança que lava a alma, só quando a gente se pega absorto pela imagem de um par em sintonia total na pista. Quase melhor, né? Igualmente melhor. Na verdade, é difícil saber o que veio primeiro – a visão de um par dançando em perfeita harmonia (e a vontade de um dia fazer parte disso) ou se tornar um par no transe forrozeiro. Apaixonados pela ideia do “par idílico”, muitos de nós buscamos aprender a “dançar bem”.

Dançar bem é um tema que ronda o forró. Digo “ronda”, porque ser uma infiltração do capitalismo nos nossos corpos e modos de nos movimentarmos, afinal o ranqueamento é intrínseco à sociedade competitiva, que estratifica e remunera nessa base. Para quem começou a dançar forró no interior do Nordeste, numa modalidade de dança menos performática do que se tornou o forró sudestino, posso dizer que na fonte não havia a preocupação em dançar “bem”. As pessoas dançavam. Às vezes, era mais gostoso.

Aulas de forró não existiam. De onde vem o forró, as pessoas crescem dançando forró em diversas situações sociais – festas familiares ou da cidade. Em Itaúnas, a Meca do forró pé de serra, na virada do Século, não se ouvia falar em aulas de forró. Os nativos tinham nascido com o dom maravilhoso da dança (ao menos, surgiam maravilhosos na pista sem explicação!) e nós mulheres íamos ao forró e aprendíamos dançando com eles. Certamente, devia haver algum espaço de troca entre os condutores na época (nativos e não), mas não era algo dito.

Com a disseminação do forró, as aulas foram se popularizando. Atualmente, há até concursos de forró, até em Itaúnas, que pautam tendências e geram desdobramentos de estilos de dança. Uma coisa inusitada é o surgimento do “Roots”, que é dito ser o “forró originário de Itaúnas”, mas para dançá-lo muitos estudam anos. Não que haja nada de errado nisso, afinal, as aulas de forró são um meio das pessoas que não nasceram com o dom do forró (como os nativos de Itaúnas!) poderem curtir bom do forró.

Só nunca podemos nos esquecer que no forró há apenas uma régua – às vezes é mais gostoso. É essa a energia que reluz do casal idílico, desde os bailes originários. Não importa quantos passos você aprenda, o transe forrozeiro se dá quando você se conecta com quem está dançando com você. Há pessoas que sabem cem passos, mas com quem dançar é como estar numa montanha russa desgovernada. Há os quem sabem apenas dois passos, mas a experiência é transcendental. Importa é “com quem” você dança.

Aquele par idílico que um dia nos inspirou a sermos forrozeiros e nos motivou a fazer aulas e errar e acertar na pista até a exaustão, não necessariamente venceriam um concurso de forró, mas certamente sabia exercer o ato revolucionário que é, nos tempos de hoje, estar conectado ao Outro. Na combinação inexplicável e multifatorial dos encontros, que passa por sabermos ver o Outro, estamos bem conosco mesmos, ter respeito, a banda que está tocando, se é cedo ou de madrugada, se há simpatia e troca de palavras gentis – uma hora acontece. Na penumbra do salão ou sob os holofotes. Para todos.    

Crônicas Forrozeiras

Descrição da Coluna:
Forrozeiro que é forrozeiro vai ao forró toda semana, às vezes até todos os dias! Uma vez na vida, ao menos, precisa conhecer Itaúnas, a “Meca” do forró pé de serra, mas os fiéis mesmo vão todo ano dançar forró nas dunas! Sendo assim, o universo forrozeiro é repleto de rituais sobre o estilo da dança, as bandas favoritas, os modos de vestir e calçar – de regatas e “chinesinhas”, as preferências e desagrados no dancing, as bebidas mais amadas como a catuaba (e aquelas que nenhum forrozeiro bebe – como o uísque!), o cigarrinho na pausa, enfim. Pode-se dizer que o forró sudestino é uma sub-cultura ou uma “tribo” urbana. É sobre esse universo que se debruçam as crônicas forrozeiras, revelando seu charme e alguns de seus segredos. Esse gênero literário despretensioso que passeia pelos detalhes do cotidiano e sempre toca a alma dos que ali vivem. Venha nos descobrir! 
Por quem:
Deborah Goldemberg é antropóloga e escritora, além de forrozeira, é claro! Autora de romances como Valentia (Ed. Grua, 2012) e A Brecha, Uma Reviravolta Quilombola (Ed. Estrela, 2020), finalistas do Prêmio Jabuti e Machado de Assis, a autora é fã de crônicas, que publica no seu site deborahgoldemberg.com com direito a podcast para quem prefere ouvi-las. Em 2022, escreveu a peça Forró for All – forró sudestino no coração do Largo da Batata, que conta a história do surgimento do forró universitário na cidade de São Paulo. A peça estreou em Março de 2023 no Teatro B32 e, atualmente, uma versão “Pocket” segue marcando presença em festas forrozeiras por toda a cidade, com a banda Forró for All e corpo de baile.

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