CrônicasDançaMúsica

Os Capuletos e Montéquios do Forró Paulistano

Em São Paulo, o Canto da Ema e o Remelexo são os principais bastiões do forró pé de serra, tanto para os músicos quanto para os amantes da dança

Por Deborah Goldemberg

Todos sabemos que há dois grandes clãs no forró de São Paulo. Não são clãs familiares, mas algo análogo. Digamos que onde nasce um forrozeiro (no seu primeiro momento memorável de forró, seja num primeiro baile ou aula) há uma afiliação com aquela casa de forró específica e, a partir daí, o forrozeiro tatua o brasão no peito. “Sou Capuleto!”, exclama, “Sou Montéquio!” Não há uma noite em que estou na fila do Castelo Capuleto que não ouço alguém dizendo, “Ah, mas os melhores dançarinos dançam aqui” e alguém do Castelo Montéquio logo retruca, “Mas lá é muito mais agradável e melhor frequentado”, ou coisa parecida.  

Baixo engajamento

Vale lembrar que não somos um Fla-Flu, com torcida de milhões. Bem ao contrário, nossa comunidade forrozeira é minúscula. Se juntarmos os seguidores de Instagram dos dois Castelos não temos nem 150 mil seguidores (na cidade de 20 milhões de habitantes). Poderíamos ser uma comunidade unida e harmoniosa, mas a natureza humana é propensa às dualidades. Se você pegar duas crianças e der um pirulito verde para uma e um laranja para a outra, elas logo estarão brigando por qual é melhor – “O verde!”, gritam, “O laranja”. O mesmo acontece com adolescentes que se firmam no “Rock” ou “Sertanejo”. Para adultos, além dos times, há carros, bairros, partidos políticos, enfim, variantes dos pirulitos da infância.

Funcionamento regular

Precisamos refletir a respeito disso! O que seria da vida dos forrozeiros sem os dois castelos? Não que hoje não haja dezenas de outros bons forrós pela cidade, mas eles não operam com a regularidade dos castelos. De quarta a segunda, seguros como as suas muralhas, os castelos abrem os portões. O que seria de nós sem eles? Ansiedade total, né? A estabilidade dos castelos tranquiliza as almas forrozeiras. Não importa o que acontecer, eles estarão sempre lá. No mesmo lugar e horário, a ponte desce e caminhamos sobre o lago de crocodilos para sermos recebidos pelos funcionários habituais e encontrarmos nossos colegas forrozeiros.  

Amores desfeitos

O fato de haver dois castelos operando três dias da semana (sexta, sábado e domingo) é ainda mais vital. Porque muita coisa acontece dentro dos castelos e, às vezes, você está impedido de ir a um dos castelos. Forró é vida, entendam. Como ninguém mais morre de amor, Romeus e Julietas enfrentam ficantes desastrosos, amores perdidos e stalkers atrás das pilastras. Às vezes, você não quer ser visto, outras não quer ver. Relações recém desfeitas precisam de tempo para curar. Quando um casal de forrozeiros se separa, para evitar a dor maior (a de ver o/a ex dançando com outro), certamente eles irão a castelos distintos. Mas, se a saudade bater forte demais, você poderá ver um Capuleto se rendendo ao Castelo Montéquio…

A importância dos “castelos”

Ou seja, haver dois castelos é vital para a comunidade forrozeira. Você pode até preferir a música de um, o piso de madeira do outro, o ar condicionado mais forte de um, os DJs do outro, a área de fumantes de um, os dançarinos do outro, mas você não pode negar que é imprescindível haver os dois castelos para acolher os refugiados do forró. Mesmo que você nunca tenha sido um, saiba que a qualquer hora pode acontecer. Desde já, valorize! Apoie os dois castelos. Se alterne. Aproveite o que cada um tem de melhor. De quebra, exercite desconstruir mais um ranço infantil que restou dentro de você. Afinal, forró não é pirulito!  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *