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O porquê do “Não” no forró?

Processando o “não” que você recebeu no forró.

Por Deborah Goldemberg

A rejeição é dolorida em qualquer lugar, mas no forró ela é direta e irrevogável. Você tira alguém para dançar e a pessoa diz “Não”. Quando muito, “Obrigada” ou uma desculpa esfarrapada. É recuar da pista, com a rejeição pulsando. Alguns, relatam ir embora para casa ou buscar refúgio numa catuaba. Há casos de pessoas se descontrolarem e insultarem quem negou a dança ou realizar vinganças na pista. Para não falar do caso de pessoas que fogem pelo salão, para evitar até que o convite chegue a ser feito por alguém. Pois é, a vida pode ser dura nas pistas. Mas, o que quer dizer o temido “Não” no forró?

Em primeiro lugar, é fato que há estilos diferentes de dançar, corpos diferentes e os odores indesejáveis (tanto perfumes quando os notórios odores naturais). São fatores que podem, legitimamente, tornar uma dança indesejável. Isso não quer dizer que o seu estilo de dançar, o seu corpo ou aquele perfume amadeirado não seja o que outra pessoa mais deseje na vida, mas não aquela. Não deu “match”. Esse é um “Não” legítimo, como uma separação por incompatibilidade de gênios, prevista em cartório. Vida que segue.

Ocorre o “Não” incompreensível. Puxa, você está na sua melhor noite, vestido bonito, já dançou um monte, daí se arrisca a tirar o rapaz e dá de cara no paredão. Ou, o rapaz está lindão, todo bacana na pista, mas chega na menina e “Não”. Porque? Logo no forró, que é o templo da inclusão! Entenda que esse “Não” pode nem tem nada a ver com você. Os convidados podem estar apenas cansados ou aguardando um parceiro ciumento chegar. Talvez, “de banheira” na beira do salão esperando a chance de dançar com um crush. Ou seja, não é pessoal. Nesses casos, é respirar fundo, deixar o ego murchar e entender que há muito na vida que não é sobre você e que você jamais vai entender. Namastê.

Ainda, encaremos que há os “Nãos” justa causa. Se você deu uma bruta cotovelada no nariz de um dançarino, tropeçou em todas as tentativas dele fazer caminhadas de Roots e o seu rabo de cavalo entrou no olho dele na hora do giro… não rola. Se o rapaz tentou ultrapassar o sinal amarelo, causando um torcicolo na dançarina de tanto evitar contato de rosto, é vacilo. São os “Nãos” que precisam ser ouvidos. A pessoa está te jogando a real: “Você não dança bem o bastante para dançar comigo ainda”. Ou, “Você está sendo inconveniente”. A dica aqui é se mancar e aprender. Contratar umas aulas. Aprender a respeitar as mulheres. Sacou?

O “Não” e o “Sim” são os instrumentos de definição de limites na pista, assim como na vida. Como o forró não é um lugar em que dá para conversar sobre as nuances entre o sim e o não e dar segundas chances, porque a música é alta ou porque ninguém vai ao forró com disposição de DR (Discutir a Relação), fica tudo no ar, gerando angústias e fantasmas. De novo, cabeça erguida, ego no lugar e colher os aprendizados que a vida trás. E se doer demais, não custa perguntar ao negante, “Porque você não dança comigo?” Você pode se surpreender…

Hoje tenho um amigo forrozeiro a quem considerava o mais arrogante do salão! Altão, ele passava reto por mim, parecendo evitar me ver. Eu nem ousava tirar ele para dançar, tal a soberba. Uma vez, vi ele dançando com uma amiga e comentei o caso. Ela matou a charada, “Ah, coitado. Ele é super míope e não vê nada sem óculos.” Naquela mesma noite, ela me apresentou a ele, que logo colocou os óculos para me enxergar. Hoje, quando ele me vê no salão, corre sorridente para me tirar para dançar. E quanto ele nem me olha, corro ao seu abraço, porque sei que dentro dele há um verdadeiro coração forrozeiro. 

Crônicas Forrozeiras

Descrição da Coluna:
Forrozeiro que é forrozeiro vai ao forró toda semana, às vezes até todos os dias! Uma vez na vida, ao menos, precisa conhecer Itaúnas, a “Meca” do forró pé de serra, mas os fiéis mesmo vão todo ano dançar forró nas dunas! Sendo assim, o universo forrozeiro é repleto de rituais sobre o estilo da dança, as bandas favoritas, os modos de vestir e calçar – de regatas e “chinesinhas”, as preferências e desagrados no dancing, as bebidas mais amadas como a catuaba (e aquelas que nenhum forrozeiro bebe – como o uísque!), o cigarrinho na pausa, enfim. Pode-se dizer que o forró sudestino é uma sub-cultura ou uma “tribo” urbana. É sobre esse universo que se debruçam as crônicas forrozeiras, revelando seu charme e alguns de seus segredos. Esse gênero literário despretensioso que passeia pelos detalhes do cotidiano e sempre toca a alma dos que ali vivem. Venha nos descobrir! 
Por quem:
Deborah Goldemberg é antropóloga e escritora, além de forrozeira, é claro! Autora de romances como Valentia (Ed. Grua, 2012) e A Brecha, Uma Reviravolta Quilombola (Ed. Estrela, 2020), finalistas do Prêmio Jabuti e Machado de Assis, a autora é fã de crônicas, que publica no seu site deborahgoldemberg.com com direito a podcast para quem prefere ouvi-las. Em 2022, escreveu a peça Forró for All – forró sudestino no coração do Largo da Batata, que conta a história do surgimento do forró universitário na cidade de São Paulo. A peça estreou em Março de 2023 no Teatro B32 e, atualmente, uma versão “Pocket” segue marcando presença em festas forrozeiras por toda a cidade, com a banda Forró for All e corpo de baile.

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