DançaFelicidade

O Forró Orgânico

As variações forrozeiras são todas benvindas, mas elas não podem se sobrepor à alegria de dançar que sempre esteve presente no forró nordestino, que nunca precisou de aulas para se aprender

Por Deborah Goldemberg

Sabe qual é a diferença entre o tomate e o forró orgânico? Hoje em dia, todo mercado tem alface, batata doce e até ovos denominados “orgânicos”. São alimentos cultivados sem agrotóxicos para combater pragas, podendo ser agroecológicos (sem adição de fertilizantes que aceleram o seu crescimento natural). Ou seja, estamos falando de repolhos e galinhas felizes que crescem no tempo deles e tem as pragas gerenciadas com métodos naturais, sem produtos químicos. Mas, o que é forró orgânico? Tente imaginar. É mais difícil do que pensar um tênis orgânico, né?

O forró simplesmente brotava

Assim como no caso dos alimentos, o forró já era orgânico antes de se tornar não-orgânico, ganhar o nome de orgânico e passar a custar mais por isso. Isso é, o forró, assim como os antigos tomates vermelhos e saborosos, brotava livremente nas festas familiares e nem tão familiares do Nordeste. Em Itaúnas na virada do Século, também, o forró simplesmente brotava. Quem esteve lá se maravilhava com os nativos que pareciam ter nascido sabendo dançar aquele forró rodopiado. Os que chegavam ali e curtiam forró logo aprendiam a dançar com eles. Alguns tropeçavam mais e outros menos, mas isso não interferia na alegria.

Não se falava em aulas de forró

Fazia parte do baile alguns não saberem dançar e outros se encarregarem de ensiná-los os passos básicos, enquanto outros brilhavam na pista, uns desistirem, outros vingarem. Era dali que surgiam as risadas, a interação entre os bons dançarinos e os iniciantes, os flertes, assim como o brilho nos olhos e a vontade de voltar no dia seguinte. Olhando para trás, a dança em si não era o foco do baile, mas era ela que proporcionava a interação social. Havia até forrozeiro que nem dançava, mas era bom de chiboquinha! Não se falava em aulas de forró naquela Itaúnas mítica que deu origem ao forró sudestino.

Na metrópole virou negócio

No que o forró vindo do Nordeste e reinventado em Itaúnas chegou em São Paulo, ele foi devorado pelo gigante Piaimã. Para que não conhece, o gigante Piamã, da obra Macunaíma de Mário de Andrade, é o representante do capitalismo paulista, que tudo devora e transforma em dinheiro. Pois bem. O forró chegou à metrópole e virou também negócio. Muitos bailes e gente querendo dançar (e dançar bem) e oportunamente surgiu um mercado de aulas de forró, que hoje vibra por espaços culturais e empresas. Veja que coisa mais paulistana! Se alguém falar em aulas de forró em Floresta, no Sertão de Pernambuco, vai ouvir, “Oxi, e precisa de aula para dançar um forrozin?”

Mutações transgênicas?

Daí que entra a questão do forró orgânico. Aula de forró é tipo um fertilizante de forrozeiro – para acelerar o aprendizado e a performance no baile. Quem dá aula de forró? É só professor de forró? Professor de forró precisa fazer faculdade de forró? Onde fica isso? Em Floresta que não é! Forró é (ou virou?) uma modalidade de dança de salão, então? Como bolero? Se o forró ficar “contaminado” de outras danças de salão, qual agrotóxico é preciso? Ou tudo bem? As novas modalidades de forró que surgiram (Piseiro, Roots, etc.) são mutações transgênicas? Podemos forrozeá-las em biosegurança? Onde consigo ainda um forrozin orgânico?

O forró é sempre for all.

É complexo. Assim como se deu no resgate do tomate orgânico, a ideia do “forró orgânico” é uma bandeira para que a essência do forró não se perca. As variações forrozeiras são todas benvindas e o fato da atividade gerar renda é também, afinal, o forró é sempre for all. Só que o dia em que a alegria se for, não é mais forró. Nós forrozeiros orgânicos, que brotamos do baile como os repolhos e as galinhas felizes, errando passos, dando risada, aprendendo a cada dança e fazendo amizades não podemos desaparecer. Ah, e a diferença entre o tomate e o forró orgânico é que o forró orgânico não custa mais por isso!

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