Crônicas Forrozeiras
Deborah Goldemberg
Ser forrozeiro é como ser surfista – estar sempre em busca da onda perfeita. No caso, da dança perfeita. Muitos pensam que os forrozeiros vão ao forró em busca de amor ou de sexo, mas não. Os verdadeiros forrozeiros estão nessa busca do que seria uma composição de alguns minutos preciosos com um par nem alto e nem baixo demais, que mantenha o ritmo numa música de sua preferência (xote, baixão ou xaxado) ao embalo de uma letra instigante e uma sequência de passos (sem excesso de giros, de preferência!) que deixará marcas.
Quem vai ao forró toda semana (ou várias vezes por semana!) pode, às vezes, enfrentar marés desoladoras. Longos períodos sem ventania, em que as bandas são ruinzinhas ou os bons pares não vem. Os homens podem enfrentar uma maré de mulheres metidas que recusam danças e as mulheres ficam à beira da pista, ou pior, marés de dançarinos suados ou exagerados. Às vezes, tudo se torna nostálgico. Há horas em que nem sabemos porque estamos ali!
Enfrentei uma maré baixa esses tempos, até que um cara veio me tirar para dançar. Chegou por trás, e me fez um pedido bem formal. Era um xote moroso. E esse rapaz, que viria a se perder na noite como tantos outros sem deixar nome ou memória de seu rosto, conduziu a dança de forma bem lenta. Tateando o ritmo, mas quase parando. Respeitoso o bastante para que eu o deixasse permanecer tão próximo do meu corpo sem a mediação dos passos que usualmente sustentam o ritual da dança. Despiu a dança dos passos – e foi à essência.
Manteve a dança viva com vibrações singelas. Suas mãos, entrelaçadas às minhas, pareciam tintilhar levemente. E isso me manteve em alerta, como se ele pudesse iniciar a condução a qualquer momento. Aos poucos, entendi que nada iniciaria. Tudo já havia começado. E terminado. A escolha dele falou para o âmago de mim. Da nostalgia de estar ali, aguardando a onda perfeita. Das memórias de já ter surfado ondas que pensava serem perfeitas, das quais capotei e me ralei inteira. Ele sentia o mesmo que eu, tive a certeza. Assim, me entreguei.
Suas mãos gravitaram para a cava do meu decote. Delinearam as costas nuas, até a base da nuca. O fez de forma gentil, e eu deixei. Ainda sem mal nos movermos, fez cafuné por debaixo dos meus cabelos que, me dei conta, estavam molhados de suor. Tão gentilmente que, entendi – era ali a dança, os dedos molhados dando os passos desejados. De vez em quando, nossos corpos se deslocavam um fragmento, numa batida mais firme da zabumba. Éramos som, suor, onda. Até a batida final, quando ainda demos um abraço e trocamos uma palavra de gratidão e, rapidamente, o set mudou e o dancing agitado tomou conta de tudo.
Outro dançarino me puxou e deu-se uma sequência de baiões frenéticos. Quando acabou, caminhei tentando reconstituir a presença daquele dançarino. Me pareceu que ele usava óculos e era magro, então, procurei por olhares enquadrados, mas havia tantos. A camiseta parecia marrom, mas como eu estivera de olhos fechados, poderia ser que fosse cinza ou preta. Perto do bar, cheguei a ver um rapaz de óculos e um porte compatível, mas ele pareceu tão jovem. Me dei conta que quem quer que ele fosse, jamais seria o mesmo. Guardei comigo a sensação do forró inesquecível que vivemos e me recolhi. O que buscava, tinha vivido.

Pouca mídia é muito talento.
Excelente escritora parabéns