DançaDestaques

O depoimento da “vampira do forró”

“Estava com vontade de trocar energia boa com todos, ser uma vampira moderna. Só que, ao invés do sangue, eu queria me alimentar de emoções”

Por Deborah Goldemberg

As crônicas forrozeiras já fazem parte da vida forrozeira paulistana e, vira e mexe, alguém aborda guru forrozeira no baile com uma ideia ou uma emoção que gostaria de compartilhar para novas crônicas. Foi numa dessas que uma moça que se auto definiu como “vampira do forró” me pediu para dar voz a uma noite maravilhosa que teve. Fiquei tão impressionada com seu depoimento que inauguro as crônicas interativas, benvidando aos que queiram compartilhar suas vivências

Vampira Moderna

Eis o que ela me escreveu: “Naquela noite, eu precisava de muita coisa. Eu precisava me sentir livre, leve e solta. Então, resolvi sair para dançar, dançar e dançar muito forró. Estava com vontade de trocar energia boa com todos, ser uma vampira moderna. Só que, ao invés do sangue, eu queria me alimentar de emoções. Entrei no salão firme e segura de mim, com o intuito pré-determinado. Ninguém ia me escapar. Eu queria sentir as vibrações de todos os parceiros. Trazê-las para dentro de mim. Não parei de remexer nem por um momento no baile. Se logo após o final de uma música não me tiravam para dançar eu não hesitava em escolher a próxima vítima. Há! Você… quer dançar? Assim, dancei. Dancei com todos que tive vontade.” 

Séculos de feminismo

Ao ler esse primeiro parágrafo do seu depoimento, senti que para essa mulher existir foi preciso alguns séculos de feminismo e muita terapia na veia. Primeiro, para ela saber exatamente o que queria. Depois, para aceitar o que queria sem sentir culpa ou vergonha (ainda que tenha se dado um apelido com conotação negativa – o de vampira). Além disso, tomou a decisão de agir: sair de casa em busca do que queria. Se sentiu segura de entrar no forró e escolher seus parceiros – que eram nada menos do que todos do baile! Refutou a ideia de esperar alguém tirá-la para dançar. Tudo muito impressionante, mas eis que ela continuou:

Provocação x energia

“Eu colocava suavemente o braço esquerdo no ombro do parceiro e a mão direita em contato com a mão deles. Então, vinha aquela paradinha para iniciar a dança e quando começava eu percebia que tinha o poder de relaxar os parceiros com os movimentos das minhas mãos. É incrível sentir esse poder! Eu ia em direção aos seus pescoços, respirava delicadamente para sentir o cheiro da pele deles misturado com perfume, de uma maneira que o forrozeiro podia sentir minha suave respiração. Provocava-os de propósito, abraçada e com as mãos dadas. Colhia elogios e olhares entre giros. Fechava os olhos e sentia a energia deles invadir meu corpo. Era como se eu conseguisse captar a vibração de cada um e ir me alimentando disso. Sentia a cada passo, a cada movimento, a pulsão em mim e o meu brilho irradiando mais forte a cada dança. A cada nova música, a cada novo parceiro, minha força aumentava.”

Mulheres livres

Intenso, né? É um relâmpago de eros em 2024. Não é um erótico domesticado dentro de uma relação controlada pelo Estado (o casamento) ou pelo patriarcado mais amplamente (a relação monogâmica exclusivista). Como diria a feminista norte-americana Audre Lorde, trata-se de um erótico ampliado, oriundo de um feminino ancestral que se perdeu no tempo. Talvez, nas antigas ilhas gregas onde viviam as Amazonas houvesse mulheres livres assim. Mulheres caçadoras, mulheres mães, mulheres lutadoras, mulheres lobas, mulheres amantes. Milênios depois, eis que elas ressurgem no forró. A mulher “vampira” é uma mulher livre. Não precisa de capa ou caninos afiados. Precisa é de muita coragem para se saber e se ser. Viva o forró que as acolhe de braços abertos!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *