A Força Democratizante do Forró
O ritmo gerou um oásis de convivência no país das desigualdades, servindo todos os dias de inspiração e utopia para todos
Por Deborah Goldemberg
A única moeda corrente no universo do forró sudestino é saber dançar. Isso significa que não adianta chegar no baile de carrão, nem com roupas de marca, muito menos ser doutor ou filho de quem for. Para que os forrozeiros possam estar nos bailes, as casas de forró paulistanas garantem ingressos VIP (gratuitos!) e cartões fidelidade para os que estão com pouco da moeda que rege a cidade e o país. Um ingresso de R$40 pode ser comprado em até dez vezes sem juros! Assim, apesar das disparidades inerentes e os desafios do transporte público, o forró de São Paulo (me restrinjo a esse universo, porque é o que eu conheço) opera como um
oásis no que diz respeito à desigualdade social.
For All
Reza a lenda que o forró sempre foi “for all” (para todos), nessa versão da história do nome forró (há outras, mas prefiro essa) que diz que o termo foi criado no contexto dos ingleses que vieram construir ferrovias na região nordeste e adoravam ir aos bailes onde os trabalhadores e os patrões dançavam juntos. Foi assim que o baile for all (como eles denominaram) foi se tornando o baile forró, na forma que o povo dali conseguia pronunciar a sequência de
consonantes atípica no português “ll”. Ou seja, o forró já nasceu desafiando o velho Marx, juntando os donos dos meios de produção (do capital) gringos com os que vendiam a sua força de trabalho para eles no “rala bucho”.
Forró Universitário
Na Década de 90, quando os ventos sopraram as cumbias e lambadas do Caribe para o litoral sul da Bahia e turistas sudestinos passaram a lotar a cidadezinha recoberta de areia chamada Itaúnas, ao norte do Espírito Santo, trazendo na mala uns passinhos de samba-rock, outra revolução forrozeira se deu. A partir da vontade dos nativos e nativas dançarem com os “de fora” (após um dia na praia em que um trabalhava na barraca vendendo coco e petiscos para o outro), surgiu o gênero que veio a ser chamado de forró universitário na virada do Século. Como a banda icônica da época Chama Chuva (local de Itaúnas) cantou muito bem, “Itaúnas é famosa pelo modo de dançar, dança pobre, dança até o sol raiar. Dança mineiro, carioca, capixaba e paulista. Dança cabra muito feio e muita menina bonita.”
Largo da Batata
Concomitantemente, no Largo da Batata, zona Oeste de São Paulo, reduto de imigrantes nordestinos onde já havia as casas de forró chamadas pejorativamente de “risca faca”, a juventude universitária da USP (Universidade de São Paulo) se rendeu ao forró, levou as outras todas com ela e passou a frequentar (para o desgosto de seus pais) essas e as novas casas de forró que foram surgindo para acomodar essa integração social e étnica que estava se dando. Curiosamente, a estética hippie foi adotada. Provavelmente, porque o ideário libertário estadounidense, as saias indianas longas e as sapatilhas chinesas, foram o que fez algumsentido para os que decoraram o Projeto Equilíbrio, KVA, antes do Remelexo e Canto da Ema.
Tradição Democratizantes
Até hoje, quando moças e rapazes, homens e mulheres, senhores e senhoras (os pioneiros forrozeiros) se reúnem nas casas de forró de São Paulo, prestam tributo a essa tradição democratizante do forró. Claro que, atualmente, há pessoas vestidas com roupas chiques (até salto alto se vê!), mas ninguém liga e coisa assim pode até ser mal vista. Forrozeiro que é forrozeiro é dançarino despojado e o que importa é falar a língua da dança que, desde as origens, desafia recortes de classe, etnia e origem. Há até quem ainda dance descalço, como se faz nas dunas de Itaúnas! Assim, nesse dia nacional do forró, festejemos o ritmo que, a partir da arte do corpo, gerou oásis de convivência no país das desigualdades, servindo todos os