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A dose diária de Forrótril

Ela estava precisando de um daqueles porta-comprimidos para organizar as suas doses de forró da semana!

Por Deborah Goldemberg

Na fila do Remelexo, uma noite dessas, minha amiga se atrapalhou com os ingressos da semana. Era uma clássica segunda do Forró de Terno e ela apresentou no celular o ingresso já adquirido para quarta-feira no Jai Club, depois o de quinta-feira para o Canto da Ema e, por fim, achou o danado do ingresso do Terno. Só não mostrou o de terça-feira no Canto da Madalena porque lá só vende na hora! Rimos juntas. Ela estava precisando de um daqueles porta-comprimidos para organizar as suas doses de forró da semana!

A nação forrozeira não é composta por forrozeiros ocasionais. Aqueles que compõe a base forrozeira vão ao forró praticamente todos os dias. Todos os dias? Sim. Um dia sim e no outro também? Sim. Não cansa? Não. São viciados? Provavelmente. Doentes? Talvez. Não trabalham? Trabalham. Não tem filhos? Tem filhos. Não tem coisa melhor para fazer da vida? Certamente não. O fato é que as pessoas começam a ir ao forró e vão se entranhando (ou é o forró se entranha nelas) e, quando se dão conta, o forró se tornou uma necessidade diária.

Conheço pessoas que moram longe do forró e começam a trabalhar seis da manhã e, mesmo assim, não deixam de ir. Antes, os forrós começavam 22hs e, mesmo assim, o roteiro era chegar no início, ficar algumas horinhas dançando e sair de alma lavada em tempo de pegar o último metrô para chegar em casa à 1 da manhã e dormir umas cinco horinhas. Mesmo nas segundas, depois de ter ido ao forró sexta, sábado e domingo! Aliás, o Forró do Terno é imperdível justamente porque reúne os forrozeiros mais assíduos da nação!

É claro que uma vida dedicada ao forró tem suas sombras. Ouço relatos de pessoas que entram em crise, “O que estou fazendo aqui?” De vez em quando, um forrozeiro some da pista por um mês. De repente, reaparece dizendo, “Eu precisava de um tempo”. Mas, eles sempre voltam. Eu e minha amiga já tentamos diversificar do forró diversas vezes. Compramos ingressos para baladas, fomos de salto alto (essa parte foi a melhor!), mas na hora do baile o tédio bate e corremos de volta (levamos sempre sapatilhas na bolsa, de plano B!).

Que lugar é esse que o forró passa a ocupar em nossas vidas? Ouço relatos de que ir ao forró é uma forma de não ficar em casa sozinho, de não se entregar a alguma série banal nos canais de streaming, não ficar em casa brigando com os parentes, de se exercitar e se sentir bem (melhor do que academia), de passatempo até a data do resultado de uma entrevista de emprego ou exame médico ou de não ficar chorando por um amor perdido…

Aliás, falando em amor, as únicas verdadeiras pausas de forró na vida de um forrozeiro se dão quando ele (ou ela) se enlaça (com um não-forrozeiro, claro, porque senão é mais forró ainda!). Ou seja, o amor é o único antídoto do vício por forró. Apenas quando acontece é que vemos um forrozeiro sair da pista durante anos a fio. Ainda que muitos casados sofram de nostalgia forrozeira crônica e dêem suas escapadas esporádicas.

No limiar sutil entre a ser cura e a doença vive o forró do coração. Fenômeno análogo ao do ovo e da galinha – não se sabe o que veio antes: a paixão pelo forró ou a dor que ela acoberta. De toda forma, o forró é sempre mais divertido e saudável do que qualquer outro remédio, então, enquanto um novo amor não vem, vale o refrão do Trio Forrozão em Forró da Musa:

“Minha vida é só no forró

Minha vida é só no forró

Encontrei a minha musa

Hoje eu não fico mais só”.

Crônicas Forrozeiras

Descrição da Coluna:
Forrozeiro que é forrozeiro vai ao forró toda semana, às vezes até todos os dias! Uma vez na vida, ao menos, precisa conhecer Itaúnas, a “Meca” do forró pé de serra, mas os fiéis mesmo vão todo ano dançar forró nas dunas! Sendo assim, o universo forrozeiro é repleto de rituais sobre o estilo da dança, as bandas favoritas, os modos de vestir e calçar – de regatas e “chinesinhas”, as preferências e desagrados no dancing, as bebidas mais amadas como a catuaba (e aquelas que nenhum forrozeiro bebe – como o uísque!), o cigarrinho na pausa, enfim. Pode-se dizer que o forró sudestino é uma sub-cultura ou uma “tribo” urbana. É sobre esse universo que se debruçam as crônicas forrozeiras, revelando seu charme e alguns de seus segredos. Esse gênero literário despretensioso que passeia pelos detalhes do cotidiano e sempre toca a alma dos que ali vivem. Venha nos descobrir! 
Por quem:
Deborah Goldemberg é antropóloga e escritora, além de forrozeira, é claro! Autora de romances como Valentia (Ed. Grua, 2012) e A Brecha, Uma Reviravolta Quilombola (Ed. Estrela, 2020), finalistas do Prêmio Jabuti e Machado de Assis, a autora é fã de crônicas, que publica no seu site deborahgoldemberg.com com direito a podcast para quem prefere ouvi-las. Em 2022, escreveu a peça Forró for All – forró sudestino no coração do Largo da Batata, que conta a história do surgimento do forró universitário na cidade de São Paulo. A peça estreou em Março de 2023 no Teatro B32 e, atualmente, uma versão “Pocket” segue marcando presença em festas forrozeiras por toda a cidade, com a banda Forró for All e corpo de baile.

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