A doce incógnita de dançar com estranhos
“Os estranhos não nos doem porque ainda não nos decepcionaram/e se mantivermos tudo a uma boa distância: seguirão sendo/essa doce incógnita.”
Crônica Forrozeira, por Deborah Goldemberg
Os forrozeiros amam ir ao forró, isso sabemos. Mal podem esperar até a hora do baile. Passam o dia bolando uma roupa legal para irem ao forró. Se endividam para poder ir ao festival. O forró é a terapia de muitos. A salvação de outros. É curioso como há uma personalização do forró na linguagem dos forrozeiros. O “forró” é passível de ser amado, cultuado, adorado e desejado. Mas, o que é o forró? Objetivamente, é um salão com uma pista de dança repleto de pessoas que não conhecemos bem e uma banda (ou DJ) tocando. Curioso, não é?
A natureza tênue das relações pessoais no forró que sempre me intrigou. Muitos se cruzam no forró há décadas, se cumprimentam como se fossem amigos de infância, mas se você perguntar, “Qual o nome dele?” ou “O que ela faz da vida?” – não sabem. “É um forrozeiro” e isso basta. Igualmente surpreendente é a intimidade abismal que alguns pares demonstram na pista e ao final da dança cada um vai para o seu lado. Para onde vai toda aquela delicadeza e sintonia? Porque não querem continuar um papo ou uma relação a partir daquilo? Aqui lhes basta. Mais do que isso, a intenção parece ser justamente não ir além.
A escritora Aline Bei, em seu livro A Pequena Coreografia do Adeus, escreve sobre o encanto que temos pelos estranhos, “Talvez por serem terra desconhecida, é o que abre espaço para a nossa imaginação/fulano deve ser ótimo, pensamos/…/amamos a possibilidade/de a pessoa ser exatamente aquilo que projetamos nela/os estranhos não nos doem porque ainda não nos decepcionaram/e se mantivermos tudo a uma boa distância: seguirão sendo/essa doce incógnita.” Depois que li esse trecho do romance, voltei ao forró à luz dessa reflexão.
Dancei com um senhor de uns sessenta anos pensando nisso. Fiquei imaginando se ele era pai, com o que trabalhava (se é que trabalhava), onde nascera, como era sua família (se é que tinha família). Não tinha ideia se sua ex-mulher o havia processado por maus tratos ou se ele tinha se envolvido em algum acidente de carro por negligência. Ou talvez fosse uma pessoa maravilhosa, um aposentado que passa os dias cuidando dos netos para a filha poder trabalhar. O fato que jamais trocaríamos uma palavra para que eu o desvendasse era a única certeza que eu tinha, enquanto ele me girava ao toque da zabumba. A paz se mantém assim.
O que nos une no forró é a certeza de que as pessoas forrozeiras conseguem por algumas horas na semana adentrar o mundo da dança, dialogar através dos corpos e, dessa forma, serem quase sempre gentis e alegres. Talvez, isso seja o melhor de nós que tenhamos a dar ao mundo. No campo de batalha que somos entre o bem e o mal (todos nós), eis os nossos reinos de paz. Nos basta aquelas horinhas de suspensão da realidade. A doce incógnita de dançar com desconhecidos nos proporciona, como escreveu Bei, momentos em que podemos apenas imaginar. E se mantivermos tudo a uma boa distância: seguirão sendo essa doce incógnita.