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A arte de estar no lugar certo, na hora certa 

Nem sempre quem é tirada para dançar primeiro é quem tem a sorte maior. Às vezes, ficar à toa e esperar pode trazer o melhor par para o seu altar.

Deborah Goldemberg

Se você passar tempo o suficiente no forró, vai se tornando uma espécie de guru forrozeira (de short, pochete e sapatilhas, é claro!) capaz de extrair lições de vida das interações que ocorrem ali. As variáveis são sempre as mesmas – o ambiente, as pessoas (com uma flutuação saudável), as músicas parecidas, ou seja, condições estáveis para se observar a vida. Forró é vida! Outro dia, guru forrozeira teve uma reflexão que foi direto para o Minutos de Sabedoria, caderninho onde anota os aprendizados do cotidiano forrozeiro. Foi como uma fábula: 

Três amigas ficam sempre juntas na beira da pista aguardando os dançarinos se chegarem. Uma delas, invariavelmente, é tirada para dançar primeiro. As outras aguardam. Quando o primeiro dançarino “fera” tira uma amiga, as outras duas pensam, “Puxa, porque ele não me tirou?” Rola aquela crise básica de: “Errei na roupa?” ou “Devia ter deixado o cabelo solto?” Até justificativas, do tipo, “Ele nunca me viu dançar” ou “Venho menos nessa balada do que a amiga”. Mas, a vida segue na esperança de que em breve surja outro. 

Só que, às vezes, não surge. Seja porque há poucos homens na balada (ou muitas mulheres) ou porque você realmente errou no look ao vir direto do escritório. Talvez, sua energia esteja baixa. Até que outro dançarino surge e tira a segunda amiga para dançar. A terceira fica à deriva na beira da pista. Uma grande nuvem se forma. E, nossa, mil vezes a ordem em que foram tiradas para dançar foi outra, mas algo na inexorável objetividade de ser a última a ser tirada naquela noite gera um incômodo. 

Isso não escapa a amiga que foi tirada primeiro para dançar. Ela está dançando com o tal dançarino “fera”, mas a verdade é que ele a deixa insegura nos giros e ela já deu uma cotovelada bruta no nariz dele. Do canto do olho, ela vê a amiga encostada na pilastra e se preocupa. Pensa assim, “Sei que acontece, mas coitada. É chato ficar esperando alguém te tirar”. Ainda pensa, “Um pouco é culpa dela que não tem a iniciativa de tirar os rapazes para dançar.” Ela gira mais um pouco até que, quando se volta para a amiga na pilastra vê a cena:  

Detrás de onde ela está, surge um homem lindo. Alto, todo vestido de branco, elegante, com um sorriso nos lábios. Ele estende a mão para a terceira amiga, como se estivesse convidando-a para dar um passeio de tapete mágico pelo Oriente. Uau. Nem importa se ele dança bem ou não. “Queria dançar com ele!”, pensa a primeira amiga que dança com o dançarino “fera”, que gira rápido demais e ela quase cai. Nem sempre quem é tirada para dançar primeiro é quem tem a sorte maior. Às vezes, ficar à toa e esperar pode trazer o melhor par para o seu altar.

Quantas vezes, mensuramos nossas conquistas em relação às dos que estão perto de nós, sendo que o tempo todo há bilhões de pessoas adiante ou atrás de nós em tudo. Gente mais rica ou pobre, com mais ou menos saúde, com amor ou na porta de uma delegacia da mulher. São infinitas combinações que tornam a condição humana incomparável por qualquer parâmetro. O conceito de estar adiante ou atrás no “jogo” se aplica a jogos de tabuleiro da infância e só. Mas, a gente esquece. Na vida, ser a terceira no jogo pode apenas significar que você estará no lugar certo quando o dançarino do tapete mágico chegar. 

CRÔNICAS FORROZEIRAS

Forrozeiro que é forrozeiro vai ao forró toda semana, às vezes até todos os dias! Uma vez na vida, ao menos, precisa conhecer Itaúnas, a “Meca” do forró pé de serra, mas os fiéis mesmo vão todo ano dançar forró nas dunas! Sendo assim, o universo forrozeiro é repleto de rituais sobre o estilo da dança, as bandas favoritas, os modos de vestir e calçar – de regatas e “chinesinhas”, as preferências e desagrados no dancing, as bebidas mais amadas como a catuaba (e aquelas que nenhum forrozeiro bebe – como o uísque!), o cigarrinho na pausa, enfim. Pode-se dizer que o forró sudestino é uma sub-cultura ou uma “tribo” urbana. É sobre esse universo que se debruçam as crônicas forrozeiras, revelando seu charme e alguns de seus segredos. Esse gênero literário despretensioso que passeia pelos detalhes do cotidiano e sempre toca a alma dos que ali vivem. Venha nos descobrir! 
Por quem:
Deborah Goldemberg é antropóloga e escritora, além de forrozeira, é claro! Autora de romances como Valentia (Ed. Grua, 2012) e A Brecha, Uma Reviravolta Quilombola (Ed. Estrela, 2020), finalistas do Prêmio Jabuti e Machado de Assis, a autora é fã de crônicas, que publica no seu site deborahgoldemberg.com com direito a podcast para quem prefere ouvi-las. Em 2022, escreveu a peça Forró for All – forró sudestino no coração do Largo da Batata, que conta a história do surgimento do forró universitário na cidade de São Paulo. A peça estreou em Março de 2023 no Teatro B32 e, atualmente, uma versão “Pocket” segue marcando presença em festas forrozeiras por toda a cidade, com a banda Forró for All e corpo de baile.

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