O forró é seu caminho de cura
Deborah gostava de dançar desde criança, mas nos bailinhos de adolescência ninguém a tirava para dançar. Essa ferida só veio a ser curada décadas depois – no forró!
Entrevista Deborah Moss por Deborah Goldemberg
Conta para a gente o papel que a dança teve na sua infância.
Sempre gostei de dançar. Quando criança, fiz ballet, jazz e dança judaica. Mas era algo para mostrar para os outros, para ser visto. Na pré-adolescência, começaram os bailinhos e ninguém me tirava para dançar. Eu ficava sem entender. Será meu cabelo? A roupa? Às vezes, eu ia de roupa nova e escova no cabelo e, mesmo assim, ninguém tirava para dançar. Essas festas eram um pesadelo. Eu ia para o banheiro e chorava… A vida foi seguindo, eu me casei cedo e isso ficou guardado em mim por mais de 20 anos.
Foi depois do seu divórcio que a dança voltou à sua vida?
Sim, eu me separei e mergulhei em vários processos de auto-conhecimento. Resgatei amizades do passado. Tinha uma amiga forrozeira que eu via no Instagram e notava um olhar reluzente nas postagens dela. Me dava vontade de ir com ela dançar, mas como ir sem saber dançar? Até que veio uma amiga dos Estados Unidos e me arrastou para o Canto da Ema. Eu fiquei encantada vendo os casais dançando. Fiquei pensando em como é possível pessoas que não se conhecem terem tanta sintonia, às vezes, sem trocar uma palavra. Me chamou a atenção, também, ser uma dança para si, não para o palco. As pessoas dançam de olhos fechados e não estão preocupadas com quem está vendo.
Como você saiu de lá?
Eu saí de lá com raiva! Como é que eu não nasci sabendo fazer isso! (risos) Pegou muito na minha veia de auto-cobrança. E saí determinada a aprender.
Foi fácil aprender?
Não foi. Para você ter uma ideia, eu ainda voltei no Canto da Ema algumas vezes e ninguém me tirou para dançar! (risos) Eu fiquei sentada nas mesas, achando que alguém ia me resgatar. Como não aconteceu, eu fui chorar no banheiro, quarenta anos depois! Imagine, uma mulher com filhos adultos… Foi nesse momento que algo visceral brotou em mim. Limpei as lágrimas e pensei assim, “Eu agora não sou mais aquela criança. A ferida ainda dói, mas eu não posso depender do mesmo repertório.” Raciocinei, “Ninguém me tira, porque eu não sei dançar ainda. Porque eu me escondo atrás das mesas. Porque eu me sinto insuficiente.”
Uau. Que revelação! Qual foi o próximo passo?
A partir daí, comecei a fazer aulas todos os dias. Eu deixava meu filho menor dormindo e ia fazer aulas Sábado de manhã. Era o meu tempo comigo, em que eu não era mãe, nem profissional, nem ex-esposa. Tempo de mim comigo. Foi assim, até me sentir confiante. Foi importante participar de um retiro em que a terapeuta colocou em palavras o que a dança estava me fazendo, que era me conectar com a criança ferida que não tinha ferramentas para sair dali. Agora, eu não precisava mais ficar paralisada na sensação de rejeição porque alguém não me tirava para dançar. As palavras dela foram, “O forró é seu caminho de cura”.
Como foi então se tornar uma forrozeira?
Já na primeira aula, me soltei. Vi que levava jeito. Me dedicava sempre que podia, assistindo a vídeos no YouTube. Fui me sentindo mais segura e passei a ir nos forrós regularmente. Logo, fiz amigos. Entrei em grupos de Whatsapp. Deixei de ficar só olhando e passei a dançar, mas ainda ficava muito na piração de, “Porque esse cara não me tira para dançar”. Ainda era muito forte a rejeição em mim. Até que um dia eu dancei com um professor de forró. Ao final, perguntei, “Que nota você me dá?” Ele respondeu, “Aqui não tem nota. Aqui é para se divertir.” Foi uma grande lição.
Você hoje se considera curada?
Não totalmente. Às vezes, dez caras me tiram para dançar e um não tira… e isso estraga a minha noite. Fico pensando que não estou dançando bem. Que justo esse cara que não me tirou é o que só dança com as melhores dançarinas. São crenças limitantes que eu carrego. Tinha um cara que eu coloquei na cabeça que era um professor e não perdia tempo com pessoas que não dançavam bem (como eu!). Um dia encontrei-o numa aula e vi que era um aluno! Num próximo forró, eu o tirei para dançar e disse, “Achei que você era professor”. Ele me disse, “Não, eu estou aprendendo. Ainda me sinto inseguro.” Imagina só? Ele não me tirava porque ele se sentia inseguro. Tem sido um ensinamento a cada forró.
Você está tirando os rapazes para dançar?
Pois é. Isso é outra fronteira que estou ousando, para tentar sair da passividade. Eu admiro demais quem faz. Uma amiga outro dia tirou um cara para dançar e ele disse não. Eu quase morri. Um tempo depois, ela foi lá e tirou ele de novo! (risos) Daí, ele aceitou. Ela me disse que não tinha porque ele não aceitar. Carrego esse aprendizado comigo, da auto-estima e perseverança dela. Ainda chego lá!
O forró tem sido uma escola da vida para você?
Sim, eu tenho curado feridas antigas no forró. Quando olho para trás, vejo que na minha adolescência eu achava que os meninos eram incríveis e as meninas tinham que ser escolhidas por meninos incríveis. O forró me ajudou a ganhar confiança em mim mesma e, agora percebo, a possibilidade de transcender esse foco na minha própria insegurança para ver que os meninos também sentem pressão e se sentem inseguros. É uma cura individual e coletiva. Estou podendo estar melhor comigo para estar melhor com os outros.
Como é estar dançando no Canto da Ema hoje?
Sinto um mega orgulho de mim! Por ter cuidado dessa ferida. Por estar cuidando dela todos os dias, porque ainda estou construindo. Me sinto feliz por fazer parte dessa grande coreografia espontânea que rola por lá, que se tornou um Canto da Alma para mim. Assim como as outras casas de forró que eu passei a frequentar – o Remelexo, o Baixo, o Jay. Em todas elas, eu posso estar bem comigo e em conexão com os outros. A ferida se foi, porque era uma falta de mim comigo. Tendo superado isso, consigo apreciar a companhia dos outros e viver a alegria do forró.